Nem injúria nem difamação


Brindeiro repele processo de juiz contra Gilmar Mendes

Se depender do Ministério Público Federal, o advogado-geral da União, Gilmar Mendes não responderá à ação penal por injúria e difamação, movida pelo juiz federal substituto na 4ª Vara do Pará, Eduardo Luiz Rocha Cubas.

O juiz apresentou queixa-crime porque se sentir ofendido em uma representação assinada por Gilmar Mendes.

Eduardo Cubas citara o presidente da República por edital, alegando que é difícil citar, pessoalmente, autoridades que ocupam altos cargos, uma vez que elas estão sempre ocupadas.

O advogado-geral da União considerou que a atitude do juiz "beira as raias do deboche, além de arrostar comezinhas regras do direito processual civil", uma vez que o presidente tem endereço fixo e conhecido. E representou contra Eduardo Cubas junto à Corregedoria da Justiça Federal, por considerar que ele afrontou a Lei Orgânica da Justiça Federal, segundo a qual "o juiz é responsável pelo regular andamento dos feitos sob sua jurisdição...".

O juiz reagiu acionando Gilmar Mendes. Já o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, entendeu que os ataques não se dirigiam ao juiz, mas ao seu procedimento. Segundo Brindeiro, não houve a intenção de difamação ou injúria nas expressões utilizadas na representação.

Veja, na íntegra, o parecer do MPF sobre a queixa-crime.

Ministério Público Federal
Parecer nº 123.732/GB
Inquérito nº 1.674-8/140-PA
Relator: Exmo Sr. Ministro Ilmar Galvão.
Querelante: Eduardo Luiz Rocha Cubas
Querelado: Gilmar Ferreira Mendes e Jurandir Fernandes de Souza

Excelentíssimo Senhor Ministro-Relator.

Trata-se de queixa-crime por Eduardo Luiz Rocha Cubas em desfavor de Gilmar Ferreira Mendes e Jurandir Fernandes de Souza, pela prática, em tese, dos crimes de difamação e injúria (arts. 139 e 140 c/c e art. 141, inciso II, todos do Código Penal).

2. Afirma o querelante, Juiz Federal Substituto na 4ª Vara da Seção Judiciária do Pará, que, na representação contra si formulada pelos querelados, foi ofendido em sua honra, em virtude das expressões abaixo transcritas:

"(...)

Essa insólita determinação do representando, decorrente de requerimento que beira as raias do deboche, além de arrostar comezinhas regras do direito processual civil, está a afrontar a norma inscrita no artigo 55, da Lei 5.010, de 30.5.66 (Lei Orgânica da Justiça Federal), segundo a qual "o juiz é responsável pelo regular andamento dos feitos sob sua jurisdição..." Ora, ao ordenar a citação do Sr. Presidente da República via edital, é óbvio que o magistrado subverte o andamento de todos os jeitos em que essa determinação foi exarada, o que, por certo, provocará indesejável nulidade dos processos, afrontosa da economia processual que deve nortear a atuação jurisdicional."

(Representação formulada pelo Advogado-Geral da União à Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, cópia acostada a fls. 14/16 - grifamos)

3- O requerimento mencionado na representação refere-se à ação popular ajuizada por João Batista Berardo contra o Exmº Sr. Presidente da República Fernando Henrique Cardoso (Processo nº 1997.39.00.012697-0), em que se pugnou pela citação editalícia do Chefe do Poder Executivo, "tendo em vista que se torna difícil a citação pessoalmente dos ilustres requeridos em virtude dos altos cargos que possuem, por estarem sempre ocupados"(fls 20).

4- Instruem a inicial os documentos de fls. 8/52 A fls. 57, Vossa Excelência determinou a notificação dos querelados, na forma de art. 4º, da Lei nº 8.038/90, para que oferecessem respostas no prazo de 15 (quinze) dias.

5- A fls. 64/83, os querelados ofereceram resposta, sustentando, preliminarmente, a absoluta falta de correlação entre os fatos considerados ilícitos e a pessoa do querelante, eis que as expressões reputadas como ofensivas se referiam ao requerimento do autor popular, e ano ao querelante. No mérito, afirmam a ausência do "dolo específico" (sic), na medida em que as expressões atacadas não comportam os tipos subjetivos próprios das figuras delituosas imputadas. Acrescenta que, ainda que ofensivas, a indigitada representação estaria acertada pela imunidade judiciária dos querelados, eis que irrogadas em juízo no mister da advocacia.

6- A fls. 85, Vossa Excelência determinou a abertura de vista dos autos a esta Procuradoria-Geral da República, para os fins do art. 5º, parágrafo único, da Lei nº 8.038/90.

7- Preliminarmente, impede sublinhar a legitimidade, em tese, do querelante para o ajuizamento da presente queixa-crime, em que pese determinar o Código Penal que a ação decorrente de crime contra a honra do funcionário público é de iniciativa pública (art. 145, parágrafo único, do Código Penal). Neste passo é firme a jurisprudência dessa Excelsa Corte ao fixar a legitimidade concorrente do ofendido para a propositura, como se observa do ora colacionado aresto:

"Ação Penal: Legitimidade Alternativa do Ministério Público e do Ofendido Propter Officium: Interpretação do art. 145, parágrafo único, CP e do art. 40, I, B, da Lei de Imprensa, conforme ao art. 5º, X, da Constituição.

1. Se a regra geral para a tutela penal da honra e a ação privada, compreende-se, não obstante, que para desonerar, dos seus custos e incômodos, o funcionário ofendido em razão da função, o Estado, por ele provocado, assuma a iniciativa da repressão da ofensa delituosa; o que não se compreende, porém, é que só por ser funcionário e ter sido moralmente agredido em função do exercício do cargo público - o que não ilide o dano a sua honorabilidade pessoal -, o ofendido não o possa defender pessoalmente em juízo - como se propicia a qualquer outro cidadão -, mas tenha de submeter previamente a sua pretensão de demandar a punição do ofensor ao juízo do Ministério Público.

2. Por isso, a admissão da ação penal pública quando se cuida de ofensa propter officium, para conformar-se a Constituição (art. 5º X). Há de ser entendida como alternativa a disposição do ofendido, jamais, como privação do seu direito de queixa.

3. Conseqüente revisão de jurisprudência mais recente do Tribunal, para o restabelecimento de precedentes (v.g., APCR 932.12.4.24 - caso Epitácio Pessoa Rel. Geminiano da Franca, RE 57.729.2.4.65, Hahnemann Guimarães, RTJ 32/586), não só por seus fundamentos persistentes, mas também pelo advento do art. 5º, X, da vigente Constituição da República.

4. Conclusão pela legitimação concorrente do MP ou do ofendido, independentemente de as ofensas, desde que propter officium, ou a propositura da conseqüente ação penal serem, ou não, contemporâneas ou posteriores a investidura do ofendido."


(STF Tribunal Pleno. AGRINQ nº 726-RJ Rel. p/ acórdão Min. Sepúlveda Pertence. Julgado em 10.11.1993 e veiculado no DJ de 29.4.1994, p. 9.730).

8- Nada obstante, a presente queixa não merece prosperar.

9- Em que pese à regularidade da representação processual do querelado - como se observa da procuração de fls. 8, descrevendo o fato imputado como criminoso -, a peça vestibular não é hábil a deflagrar a presecutio criminis.

10- Uma percuciente análise das afirmações idas como ofensivas revela que as expressões "beira as raias do ridículo"e "arrostar comezinhas regras do direito processual" referem-se ao requerimento formulado pelo autor popular. Deveras, entendendo-se pelo teor ofensivo das expressões, o titulo do bem jurídico ofendido seria João Batista Berardo, que figura como autor no Processo nº 1997.39.00.012697-0, em trâmite no Juízo em que oficia o querelante. A própria colocação das expressões entre vírgulas, intercaladas na oração principal ("Essa insólita determinação do representado... está a afrontar a norma inscrita no artigo..."), corrobora tal entendimento. Ausente a legitimidade do querelante para propositura da presente queixa-crime, é de rejeitar a ação penal, na forma do art. 43, inciso III, do Código de Processo Penal.

11- De outra parte, caso se entenda que as indigitadas expressões se dirigiram ao querelante, não se vislumbra a presente de animus diffamandi ou injuriandi. Com efeito, referindo-se ao desconhecimento de regras básicas de direito processual, aduzindo que se chegaria ao escárnio, vislumbra-se, na hipótese, tão somente o animus norradi ou corrigendi nas expressões cunhadas pelos querelados. Conquanto censurável, inconveniente ou exacerbada, a crítica contida na representação não desvela vontade livre e consciente de praticar fato difamante ou injuriosos em desfavor do querelante.

12- A não configuração do dolo, elemento subjetivo dos tipos de difamação e injúria, capitulados nos artigos 139 e 140 do Código Penal, tem como consectário inafastável a rejeição da exordial acusatória, eis que o fato imputado aos querelados carece de tipicidade. Em caso análogo ao dos autos, assim decidiu esse Excelso Pretório:

"Ementa: Habeas Corpus - Crime contra a Honra - Prática atribuída a alunos de Faculdade de Direito (PUC/SP) reclamação por eles oferecida em termos objetivos e serenos, contra professora Universitária - Animus Narrandi - Descaracterização do tipo Penal ausência de justa causa para a ação Penal - Pedido Deferido, Crimes contra a Honra elemento subjetivo do Tipo.

A intenção dolosa constitui elemento subjetivo, que implícito no tipo penal, revela-se essencial à configuração jurídica dos crimes contra a honra.

A jurisprudência dos Tribunais tem ressaltado que a necessidade de narrar ou de criticar atua como fator de descaracterização do tipo subjetivo peculiar aos crimes contra a honra, especialmente quando a manifestação considerada ofensiva decorre do regular exercício, pelo agente, de um direito que lhe assiste (direito de petição) e de cuja prática não transparece o pravus animus, que constitui elemento essencial à positivação dos delitos de calúnia, difamação e/ou injúria. Persecutio Criminis - Justa Causa - Ausência.

A ausência de justa causa deve constituir objeto de rígido controle por parte dos Tribunais e juízes, pois, ao órgão da acusação penal - trate-se do Ministério Público ou de mero particular no exercício da querela privada -, não se dá o poder de deduzir imputação criminal de modo arbitrário. Precedentes. O exame desse requisito essencial à válida instauração da liquidez ou de dúvida objetiva em torno dos fatos debatidos, pode efetivar-se no âmbito estreito da ação de habeas corpus"


(STF. Primeira Turma, HC nº 72.062-SP Rel. Min. Celso de Mello. Julgado em 14.11.1995 e veiculado no DJ de 21.11.1997, p. 60.587).

13- Ante o exposto, manifesta-se o Ministério Público Federal pela rejeição da presente ação penal, na forma do art. 43, inciso III, do Código de Processo Penal, porque as ofensas irrogadas não se dirigem ao querelante, ou, conforme o disposto no inciso I, do mesmo dispositivo, eis que não se vislumbra a presença da intenção de difamar ou injuriar nas expressões atacadas.

Brasília, 30 de julho de 2001.

Geraldo Brindeiro
Procurador-Geral da República

Revista Consultor Jurídico, 26 de agosto de 2001.